sábado, 25 de janeiro de 2014

A mulher na Índia

A mulher na Índia: a vida de uma garota comum no país apontado como um dos mais machistas do mundo

“Ainda me sinto ameaçada quando a questão é segurança”, diz Naima Talan*. Em depoimento a Marie Claire, a jovem de 26 anos, integrante da classe média indiana, conta como é sua rotina e o que é verdade e mentira sobre seu país.

O TRABALHO E A VIDA EM FAMÍLIA

“Tenho 26 anos, namoro e trabalho no departamento de comunicação de uma empresa de tecnologia da informação. Também faço ilustração para livros infantis. Antes disso, morei sozinha por cinco anos, faz dois voltei para a casa dos meus pais. Tenho um namorado há três anos que vive na mesma cidade que eu. Moro com a minha família e tanto meu pai como a minha mãe trabalham como gerentes numa fábrica de portas de madeira. Apesar de ter uma família moderna, não durmo com meu namorado na casa dos meus pais. Isso não faz parte dos nossos costumes. Com raras exceções, as famílias indianas não concebem a ideia de um casal vivendo junto antes do casamento.”


JÁ FOI PIOR PARA AS MULHERES
 
”Concordo que em termos de segurança e igualdade de gêneros a Índia não é o melhor lugar para ser mulher. Vivemos em uma sociedade dominada pelos homens onde a maioria das famílias acredita que é melhor ter filhos homens, pois sabem que as mulheres são reprimidas. A Índia, em sua maioria, é formada por uma população rural onde predomina a falta de educação formal e essa é a primeira razão para a violência doméstica, o infanticídio e o casamento de crianças. Mesmo assim, ainda acredito que se faz uma ideia errada do país. Nos últimos anos, reformas têm sido feitas e, pelo menos nas cidades, a Índia está mudando para melhor. Espero que isso alcance a população do campo em breve. Venho de uma famíla moderna, completei minha educação e, nos diversos trabalho pelos quais, passei nunca enfrentei discriminação por ser mulher. Portanto, acredito que a Índia merece crédito por aumentar as oportunidades para as mulheres no mercado de trabalho, garantir igualdade perante a lei, direito de voto e etc.”


A ÍNDIA AINDA É ANTIGA...
 
”Existem dois lados da Índia – um liberal, moderno e outro tradicional. Na Índia tradicional, uma garota comum de classe média não costuma completar os estudos e casa-se com um homem escolhido por sua família. Ela não costuma ser ambiciosa e foi educada para acreditar que seu papel na sociedade é o de dona-de-casa, mãe e esposa. Nesse tipo de criação, as meninas começam a ajudar a mãe com as tarefas domésticas muito cedo e assim assumem responsabilidades antes do que supostamente deveriam assumir. Ela se torna mãe muito jovem também e passa o resto da vida cuidando da casa. No jantar, por exemplo, ela serve primeiro o marido e os filhos e só come depois que eles terminarem. Certamente, ela vive com os sogros. Mesmo assim, existem poucas famílias de classe média (a maioria das famílias que vivem na Índia rural são pobres).

  
... MAS TAMBÉM É UM PAÍS MODERNO
 
”Essa situação é diferente na Índia moderna. As mulheres de classe média estão emprestando dinheiro para pagar os estudos, seja na Índia ou em um país estrangeiro. Depois, elas trabalham e vivem independentes nas grandes cidades. Carreira é a prioridade. Essas mulheres perceberam a importância de serem financeiramente independente depois de ver a situação das mulheres mais velhas da família delas. Em suma, essa nova geração é a cara da Índia que está mudando.

De todo jeito, ainda me sinto ameaçada por ser mulher quando a questão é segurança. Os homens ainda são muito críticos em relação ao que a mulher veste e ouvir provocações na rua ainda é supercomum. Quando uma mulher é assediada nas ruas, ninguém vem para ajudá-la, então é preciso cuidar de si. Por isso, andamos com um amigo homem ou o namorado depois do pôr-do-sol. No entanto, o que aconteceu recentemente em Délhi provou que mesmo tendo um homem conosco não significa que não corremos riscos. Os homens não gostam da maneira como a nova geração de mulheres indianas está mudando com os novos tempos e culpam a influência da cultura ocidental por isso. No mundo corporativo, a maioria s concorda que não gosta de se reportar a uma mulher. Na cultura indiana, a ideia de que o homem é superior é forte. Mas isso também está mudando, temos um crescimento gradual de mulheres em cargos altos”.

UM BOM DOTE E UMA GAROTA CASEIRA PARA CASAR
 
”O típico homem indiano ainda quer se casar com uma “garota caseira” - aquela que não vai a festas, para de trabalhar quando se casa e tem como prioridade cuidar da casa e das crianças. Na maioria das casas, os homens jamais ajudam nas tarefas domésticas. Claro que esse estereótipo está mudando na Índia urbana graças à globalização. No entanto, como muitos casamentos continuam sendo arranjados, quando a família do homem procura uma noiva, essas são as qualidades que querem ver na nova mulher que vai entrar na família. Portanto, se você é uma garota moderna que gosta de ir à festas e usar minissaia, às vezes se sente como se estivesse fazendo algo errado. Estamos presos em uma era de transição, em que as pessoas lentamente estão tornando-se mais abertas.

Nos últimos anos o número de mulheres indianas tem aumentado – creio que são 900 mulheres para cada mil homens (uma das graves consequências do machismo na Índia é que muitas famílias rejeitam a ideia de criarem meninas, expondo-as a situações de riscos como trabalho infantil ou escravidão sexual, o que resulta facilmente na morte delas). No entanto, a Índia rural representa uma boa parte do país e, entre essa população, a crença de que ter uma filha é desvantagem ainda é forte. Na minha opinião isso acontece porque, quando uma moça vai se casar, a família deve pagar um bom dote e deve comprar carro, joias e outras coisas caras. Só se consegue um bom casamento para uma menina se a família tiver dinheiro para tudo isso. Os dotes também existem na parte urbana do país e costuma ser exorbitante, podendo incluir até mesmo o modelo mais novo da Mercedes ou da BMW. Com raras exceções, a família da noiva paga sozinha por toda a festa de casamento. Assim, ter uma filha e garantir que ela se case e se estabeleça é uma responsabilidade pesada para a família. No meu caso, não é um costume na minha etnia a prática do pagamento de dote. Outra questão é que apenas os homens podem assumir um negócio de família – caso não seja possível, é o marido dela quem assume. Então, sim, em uma sociedade onde os homens são considerados superiores, há muitas razões pelas quais as famílias querem filhos e não filhas. Há tentativas de mudar isso - ONGs e o Governo estão promovendo a campanha “Salvem as meninas”.

 AS CASTAS AINDA EXISTEM, MAS...
 
“O sistema de castas ainda faz parte da Índia rural, diferente da Índia urbana onde as pessoas se misturam livremente, exceto, claro, quando se trata de casamento. Como vivo na parte urbana, nunca ouvi falar de nenhum caso em que alguém tenha sido prejudicado por causa da casta qual pertence. Eu não pertenço a nenhuma casta. Pertenço a um grupo étnico chamado kodavas, que tem como religião o hinduísmo. Essa é a questão que poucos sabem: a Índia urbana consiste em diferentes grupos étnicos e religiosos, não há muitas castas. Cada estado indiano fala sua própria língua e tem seus próprios dialetos e tradições. Os kodovas falam uma língua chamada kodava takk, que não tem escrita e é diferente da língua que a maioria das pessoas da minha cidade fala. O meu namorado pertence a um grupo étnico diferente, os brahmin.

Nos questionários de censo demográfico do governo, ainda respondemos sobre a nossa casta. Mas essa, na verdade, é uma tentativa do governo de diminuir a desigualdade entre as castas historicamente consideradas inferiores e superiores, por meio de medidas afirmativas em institutos de educação, empregos públicos e no mercado de trabalho. A questão das castas na zona rural é algo que não vai mudar tão cedo, embora eu, sinceramente, torça por isso.”
*O nome foi alterado a pedido da entrevistada e a foto desta reportagem é meramente ilustrativa .

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